Eu me organizo pra me desorganizar.
quinta-feira, 28 de junho de 2012
A cidade como dramaturgia - que cidade é essa?
As cidades são um complexo organismo vivo preenchidas de materalidades e relações sociais. Preenchidas do excesso e da falta humanas. São um verdadeiro exemplo de como o homem, no transcurso de sua existência, pôde apreender caminhos de esquadrinhar o espaço e construir uma gama de equipamentos e artefatos- segundo determinadas técnicas ao seu alcance e em sua época- necessários à sua existência. Assim, as civilizações foram ganhando vida própria e se condensando nesses moldes urbanos tais quais conhecemos hoje: as cidades. Apesar de que, ambas as palavras - cidade e civilização - têm a mesma origem.
Que cidade é essa? Ou melhor: Que cidades são essas? Pois é como se tivéssemos dentro da mesma cidade várias outras cidades menores, vários pueblos, cidadelas; onde independente do que aconteça, todos estes níveis se tocam em algum ponto. Como habitante deste lugar, desta Fortaleza tão sedutora, despojada, não tive como não me perguntar que cidade é essa, tendo em vista tudo o que vem ocorrendo com nosso lugar e abalando nossos sentimentos de pertença; aumentando muitos dos nossos paradoxos. Destituindo-nos, muitas vezes, de nossas idiossincrasias. Uma verdadeira cronopólis que ergue e destrói ao mesmo tempo, vítima da constante imposição global de expansão e crescimento das cidades e de uma globalização perversa; calcada na tirania da informação e do dinheiro.
Para responder a estas e outras centenas de perguntas, recorremos à potência mítica do Oráculo de Delfos e fomos às ruas benfiquianas, na praça da gentilândia, nos entornos do IFCE. Este exercício me possibilitou, sem sombra de dúvidas, enxergar melhor esse lugar que eu piso todos os dias, que eu habito, que eu me relaciono. Fez com que eu ampliasse meu raio de percepção sobre espaços já habituais, quase mortos pelo dia-a-dia e, encontrasse novos sentidos para mim mesmo, por que não dizer, novas formas simbólicas?
O exercício me fez repensar a performatividade do ator em cena, na rua, sem uma necessidade de teatralizar, mas sim de exercitar uma melhor naturalidade, uma sutileza de gestos e movimentos, sincronizados na esfera real e cotidiana da cidade. Obviamente, que interferindo artísticamente nela sem deixar de lado as escolhas estéticas desta intervenção. Além desse, tive inúmeros outros insights que foram discutidos com o grupo após o exercicio.
Logo, acredito, que temos que exercitar todos os dias a nossa relação com este lugar e descobrir nós mesmos novas possibilidades no ambiente urbano, novas dramaturgias. A cidade é pura dramaturgia, envolta de personagens que compõem seu universo. A rua, um espaço da cidade, é repleta desses 'personagens'. Basta observar o Benfica: A Gorete do Guaraná, o Assis e seu Botequin, o Chaguinha, o Cid, o Eudes, os vendedores de tapioca, o senhor que faz jogo do bicho na calçada do IFCE, enfim. Isso em se tratando só de personagem, mas ainda há as histórias, as casas, as praças, os conflitos, as polaridades.
Em seu dicionário de teatro, Patrice Pavis, descreve que: "a Dramaturgia, no seu sentido mais genérico é a técnica (ou a poética) da arte dramática, que procura estabelecer os princípios de construção da obra".
A dramaturgia da cidade é uma dramaturgia que produz a si própria, tem um ato de imanência a ela mesma e é esse ato que temos de atingir sempre experimentando a cidade e ampliando os diálogos com seus espaços, seus habitantes, enveredando por novos acontecimentos e novos vetores para o teatro.
Desta maneira, trazendo a ruptura do cotidiano, do mesmo, da similitude e da semelhança, provocando a experimentção da diferença. Que cidade é essa? Que dramaturgia é essa? Não é somente a academia que irá nos dizer. É a rua. É a própria cidade. É todos os sorrisos e lágrimas que aqui, com nossa nordestinidade, reside. Finalizo com uma poesia que fiz um dia desses, andando pelos arredores da Av. 13 de maio, em plena greve dos policiais militares em nossa Fortaleza.
Filosofei com as pernas e andei pela cidade. Pela 1º vez vi uma mulher entrar no pensionato feminino. Vi também novas pichações em meio ao descontrole visual urbanóide da megalópole cosmopolita. E um personagem que disse o que iria fazer se ganhasse alguns milhões. Na verdade a cidade me fez enxergar. E vi as mesmas coisas de sempre como a fumaça, os carros, as pessoas sem recorte. O que enxerguei foi o que eu já via, mas o caos me trouxe outro 'óculos social'.
Texto escrito em 20 de janeiro de 2012 para o módulo 'A cidade como dramaturgia', das escola pública de teatro da vila das artes-ce. Foram consultados: O tempo nas cidades (Milton Santos; Por uma outra globalização (Milton Santos); Dicionário de Teatro (Patrice Pavis); A cidade como dramaturgia do teatro de "invasão" (André Carreira).
sexta-feira, 8 de junho de 2012
Cru-el: Tessituras sobre o corpo sem órgãos de Artaud
Sangue, ossos, pele, olhos, ânus, vagina, pênis, rins, esôfago, intestino, pulmões, estômago. Para que nos servem os órgãos? Eles estão a serviço de quê? Do poder? da potência? Certamente um corpo sem órgãos transcende a qualquer demanda. Seja ela social, cultural, histórica, capital. Ele não obedece a nenhum rigor anatômico, funcional, clínico. Artaud declara guerra a seus órgãos e a essa subserviência do funcionamento do corpo e a hierarquização dos órgãos. De um corpo bem organizado, de um corpo como máquina cartesiana arquitetada e projetada para a padronização do comportamento, reduzido a regimes de modos de vida. Regimes pseudo-sensíveis. Regimes físicos da felicidade corporal, por exemplo - a dieta, o prazer, a inversão da estética, a produção de corpos voltados para fins, objetivos. O corpo, então, deixa de acontecer, deixa de produzir-se a si mesmo, perde potência, fica fragmentado, escoa pelo ralo. Não é capaz de experimentar e experienciar intensidades, construir percepção corpórea. A vida nas nossas sociedades atuais não suporta a intensidade, o estado intensivo do corpo e do pensamento. Há o tempo todo modos de poder que camuflam o corpo, os afetos, o pensamento. Uma sociedade 'Big Brother' de espionagem do sujeito.
Nesse sentido, para Artaud, o corpo tem um imenso 'fundo falso', relicário de preciosidades. Atravessado por todo um conjunto sensível que se amplia ao se produzir, ao se desierarquizar-se de seus órgãos, (des)capturando-os. Um corpo presente numa crueldade, numa metafísica. A crueldade entendida mais profundamente. Uma radicalização da vida pela crueldade. O exercício da crueldade, aqui, se passa num horizonte muito mais sutil. É uma 'violência da calma' (Viviane Forrester). Ele nos diz: "No plano da representação, não se trata dessa crueldade que podemos exercer uns sobre os outros, despedaçando-nos mutuamente, serrando anatomias pessoais ou, como os imperadores assírios, mandando sacos de orelhas humanas, narizes e narinas bem cortadas pelo correio, mas sim da crueldade muito mais terrível e necessária que as coisas podem exercer sobre nós. Não somos livres. O céu ainda pode cair sobre nossas cabeças".
Esse enunciado pode chocar, mas na medida em que desconstrói o corpo enquanto mero catalisador de operações sócio-culturais, dota-o de produção de sentido. Um corpo que dialoga com uma necessidade existencial, melhor ainda, um corpo que é existência; reintegrando o físico com o psíquico. Assim como o teatro enquanto comunhão viva e irradiante-irradiadora, o corpo é (re)dimensionamento sensório-perceptivo. Pensamento-bomba, pensamento-fecal, escrita do sangue. (Daniel Lins). Artaud e seus duplos excedem as bordas teatrais - 'tudo que atua é uma crueldade' (Artaud). Vão além e, na medida em que, constituem pensamento numa loucura que também é conhecimento, erguem uma filosofia do fogo, da carne, do sangue, das vísceras, dos excrementos, das fezes, do corpo sem órgãos. O teatro-corpo como uma peste delirante que grita e sussurra todos os desatinos possíveis do acontecimento, do encontro e da celebração. Desatinos do humano. "Podem me amarrar, uma camisa de forças não quer dizer nada, me metam numa camisa de forças, por que os órgãos mesmo não servem para nada, pra que servem meus órgãos?" (Artaud). Para ele, os órgãos não servem pra nada.
Guilherme Bruno.
Foram consultados: O artesão do corpo sem órgãos (Daniel Lins); Antonin Artaud: O corpo sem órgãos (Nara Sales); O teatro e seu duplo (Antonin Artaud); Palestra o corpo sem órgãos ministrada por Luiz Fuganti.
domingo, 6 de maio de 2012
Afrodites e Helenas
Profusão que se espalha numa saudade que brota aos poucos. Afrodites perdidas ao longo do tempo e que somem feito aqueles ninjas de filmes japoneses e por isso vez ou outra o coração entra em descompasso e a gente fica um pouco perdido. É abrir margem para construir uma mitologia própria. Uma história que se repete e se difere. Essas afrodites têm o poder de seduzir, mas não é só isso. Elas também são como Helenas, aquelas mulheres bem fortes e à frente de seus tempos. Enfim, a figura da mulher é essencial ao mundo. E mais que isso, acalenta em seus seios a maternidade e como o sopro divino, dá luz à vida. Ao mesmo tempo, elas podem sumir do mapa, podem descartar cartografias e virar o mundo pelo avesso. Podem morrer fisicamente e deixar-nos sem chão. Sem superficie. Mulheres são como mães do universo, são signos, e são sempre, mulheres.
Lá
Lá estava eu. Eu estava lá. Estava. Lá. Enrosquei, aticei, dobrei, encurvei, virei, olhei, enxerguei. Enxerguei aquilo que já via e debrucei-me sem diletantismo. A taça derramava espumas de vento. O brinde sempre me foi algo distante, porém ele sempre apareceu e, mesmo que efêmero, ascendeu marcas e fagulhou chamas. Estratificou espessuras de espuma. De bruma, de brancura, de brandura. Eu sempre estive lá. Lá, é um lugar doce, é quase o meu lar, doce lar. Lá é um lar e o lar é lá. Ladainhas a parte, o lá é um lugar que me deixa bem e tranquilo, suspirando feito corpo trêmulo após uma transa. Ofegando. Eu gosto de lá, de estar lá. Vamos pra lá? Um cantinho pequeno que se apresenta gigante e que a gente pode confiar. Pode-se projetar. Cada um tem um la(r) dentro de si. Basta nutrir-se do que é inteiro, mesmo que seja metade.
terça-feira, 1 de maio de 2012
Gandaia
Foi no acorde do acordar que soou a primeira nota do dia. Como música. Como melodia. Uma leve sensação de ser criança. Correndo por dentro feito algo que voa, correndo que nem o bando da molecada de quando era pequeno. Sim, é preciso correr, gandaiar. Gandaiar feito menino e correr tão velozmente até os pés baterem na bunda. Numa carreira distante, trepidante. Chegar na praia foi alegria só. De vez em quando fitava o olhar para o mar mergulhando em mim mesmo e em cortejos de imagens que sondam meu passado-presente-futuro. O negócio é que quando a gente se enrosca nas ondas, a gente fica tonto feito peão jogado no terreiro. Fica querendo voar sem ter asa. E beber na sede que sacia a irrefutável alegria do cotidiano. Reinventando o cotidiano e cobrindo-lhe de novas conjecturas, novos acontecimentos. Daí, é fácil olhar pra o céu e ver as nuvens garimpadas em estufas que se desdobram quase a um palmo da mão. Como algodão doce que gruda nas mãos. Correr para os braços do mar. Do mar, de tudo que é límpido. Gandaiar em risos, passear em campos de papoulas. Passear sobre cada segundo do que a gente chama de... felicidade. E gandaiar, pra que a vida dê lugar ao novo e encontre novos sentidos.
sexta-feira, 20 de abril de 2012
(Des)água
Sentar-se e ouvir a língua de uma canção. Deixar-se sedimentar por ela e correr com ela solto no vento. Que nem água quando cai da cachoeira e desagua pelo leito do riacho. De olhos fechados projeto imagens, crio laços memoriais e me perduro feito tempo em pó. Num silêncio trancado às sete chaves, grito dentro dessa morada que a gente inventa: o eu. A música já acabou, mas que nem água ela ainda continua caminhando pela minha pele e provocando palavras como gotas d'água. Desaguo e desemboco, sempre que possível, numa doce canção.
segunda-feira, 9 de abril de 2012
Grão.
Grãos de areia se perdem na água turva. Constroem castelos, arquitetam tempestades de ventos. E eu danço como pequenino na imensidão, esboço movimentos com asas de bem-te-vi e cores de beija-flor. Beijo o sussurro da boca envaidecida de mistérios e ergo sonhos em horizontes distantes. Na areia. No mar. Neste chão que habita em cada um de nós. Com apenas um grão se engradece a alegria. Com uma tempestade dele, faz-se o castelo da vida.
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