Eu me organizo pra me desorganizar.

domingo, 7 de agosto de 2011

Sobre a poesia do teatro, eu e outras coisas

Certo dia andando pela rua uma gota d'água que caiu do céu resplandeceu sob meu olho direito. Fechei os olhos. Depois, abri-os lentamente e naquela imagem turva que surgira, senti-me banhado pela força serena da água. Pensei em depois escrever algo e até agora nada. Até agora! Lembrei desse momento porque diferentemente daquele dia, hoje, meus próprios olhos formaram um outro riacho, o das minhas lágrimas. Então, dentro do recôncavo de mim mesmo instaura-se uma leve solidão própria de minha natureza. Ouço um bom sax enquanto reflito sobre meu ofício, o ser ator. Todos os dias me pergunto o que é isso. O porquê disso. Deleitar-me na boca de cena, respirar nas coxias, beijar imensamente as tábuas do palco para pedir licença aos deuses, experimentar e descobrir o espaço, a luz, os objetos. Olhar para o outro amigo ator e dizer: Como é bom partilhar junto a você esta experiência. Ver as cadeirinhas vazias que mais tarde ficarão lotadas com a presença do público. Sentir o cheirinho da pipoca do pipoqueiro na frente do teatro. Abraçar as queridas camareiras e sorrir para o mestre-sala que abre os portões da casa mágica. São muitas coisas. Sim, eu entendo que são. Fica difícil entender é como fazer tudo isso na guerra cotidiana. Na crise humana que solapa, que bate na nossa cara, que dita regras, que mata. Morte. Ator. Vida. Bicho estranho. Lobo. Errante. No meio de uma confusão que não é na Cidade de Deus, mas é quase entre Mané Galinha e Zé Piqueno. No meio de todo o tiroteio é que a gente fica. Ser ator. Ser ator é ser soldado. É ir pra guerra da vida com a flor do espirito dentro da boca como quem segura seu próprio alimento. Como caçador. É pensar a longo prazo mas sem ter a certeza de que o curto vai sequer existir ou chegar. É abrir mão de estar fazendo sua arte, seja na rua, no palco ou em qualquer lugar para descolar um dinheirinho, alguns migalhos aqui e ali para deixar o coração pulsar. Tudo bem. Tudo bem nada. Não está nada bem. Mas eu continuo, quero apanhar mais, trincar os dentes de dor, sangrar, morrer. Morrer em cena. Um ataque fulminante assim que tenha terminado a peça para partir com a sensação de levar o teatro junto comigo para todo lugar. Ir do céu ao inferno e brincar de viver com Deus e o Diabo mesmo que não seja na terra do sol. Pode ser aqui mesmo, na rua da minha casa, na sua, no quintal, ou quem sabe num grande palco pisado por grandes almas. Vai à luta filho, assim minha mãe dizia. Sempre. E ser ator eu nunca vou descobrir. Isso é, pra mim até o momento, impossível. O que importa pra mim é despertar risos e lágrimas dentro do coração das pessoas. Mesmo que isso me doa ou que me custe um preço muito alto. Mesmo que muitas delas não estejam nem aí e até debochem. Mesmo que eu leve centenas de rasteiras. Viverei eternamente sendo dos outros e da vida. Sou naturalmente dos que me possuem. Morrerei fazendo teatro. E quando minha alma partir velem meu corpo em qualquer lugar do Teatro mais lindo do mundo, o Teatro José de Alencar.