Eu me organizo pra me desorganizar.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Asas do abismo

Às vezes eu sinto que tenho asas, mas não posso voar. Elas começam a me incomodar, a nascer. E, de algum modo, dói em mim tê-las. O ar não comporta o meu peso e eu não consigo tirar os pés do chão. Não acredito num sonho que se configure com os pés no chão, numa superfície. Na verdade, tento voar sem asas. Independente disso, paga-se um preço alto por querer voar. Quanto mais alto se voa, maior a chance de cair e se esborrachar, mas pergunto: E se eu não tentar alçar o voo mais alto? Irei sempre voar rasante? As pessoas estão desacreditando nos seus sonhos, nos seus desejos. E diante disso fica cada vez mais gélido voar, conhecer as nuvens. Eu quero conhecer as nuvens de todos. E se chover, não vou me incomodar, pois não sou feito de açúcar. Sou feito do que sou feito, do que você é feito daquilo de que somos feitos. Não quero aprender a voar ou passear sobre os céus como um pássaro em um devaneio, quero voar porque a superfície não me basta. Porque voar faz parte de mim. E de um abismo qualquer, eu saltarei.

sábado, 10 de dezembro de 2011

O que é o mundo?

O mundo é o que você tem no chão. É um lugar do chão. Essa é a imagem de quando a gente começa a andar. O que te move é o mundo que o rodeia e, no entanto, você é o ponto fixo. O movimento que se faz entre você e o mundo é o que rotaciona as latitudes e longitudes no plano cartográfico do próprio mundo. Rodamuinho que não cessa. Como construir o seu próprio mundo e dar adeus a Platão? A ideia de mundos. Um da essência, outro da aparência. De qual essência? Manter-se no movimento e ainda reagir ao ambiente construindo um caráter dinâmico que não é provocado de fora para dentro, mas sim de dentro para fora. Essa é a grande questão. Porque este caráter dinâmico se dá por inércia, onde o movimento nasce de dentro e dá corpo a explosão do próprio corpo. E podemos pensar até que ponto o que está aqui fora, fora de mim, fora de você, mas dentro do mundo, afeta a nossa realidade. Realidade que só existe porque atribuímos sentido a ela. Ou não. O fato é que Corpo é produção de corpo. É assim que pensa Deleuze. Mas e daí? Daí é que talvez não exista corpo sem corpus no mundo. É essa a combustão de corpus suficientemente necessária para o estabelecimento de um devir que não pode ser imaginado, pensado ou sentido. Apenas vivido. E, se na vida nada é absolutamente sólido e imutável até mesmo o ponto fixo se abala. Mas nem sempre o que se sabe é que a ideia de ponto fixo muta e qualquer condição de repouso se torna um estado intermediário do movimento. Então, o movimento pulsa. Vive. Se vive, tem vida. Se tem vida não pode parar. E, se pára, recomeça. E se recomeça, finda-se. Assim, o mundo se movimenta entre pontes infinitas com humanos suspensos no ar criando seu próprio vácuo. Seu próprio mundo. Mesmo que esse mundo seja às avessas e que eu faça tudo de trás para frente.

domingo, 7 de agosto de 2011

Sobre a poesia do teatro, eu e outras coisas

Certo dia andando pela rua uma gota d'água que caiu do céu resplandeceu sob meu olho direito. Fechei os olhos. Depois, abri-os lentamente e naquela imagem turva que surgira, senti-me banhado pela força serena da água. Pensei em depois escrever algo e até agora nada. Até agora! Lembrei desse momento porque diferentemente daquele dia, hoje, meus próprios olhos formaram um outro riacho, o das minhas lágrimas. Então, dentro do recôncavo de mim mesmo instaura-se uma leve solidão própria de minha natureza. Ouço um bom sax enquanto reflito sobre meu ofício, o ser ator. Todos os dias me pergunto o que é isso. O porquê disso. Deleitar-me na boca de cena, respirar nas coxias, beijar imensamente as tábuas do palco para pedir licença aos deuses, experimentar e descobrir o espaço, a luz, os objetos. Olhar para o outro amigo ator e dizer: Como é bom partilhar junto a você esta experiência. Ver as cadeirinhas vazias que mais tarde ficarão lotadas com a presença do público. Sentir o cheirinho da pipoca do pipoqueiro na frente do teatro. Abraçar as queridas camareiras e sorrir para o mestre-sala que abre os portões da casa mágica. São muitas coisas. Sim, eu entendo que são. Fica difícil entender é como fazer tudo isso na guerra cotidiana. Na crise humana que solapa, que bate na nossa cara, que dita regras, que mata. Morte. Ator. Vida. Bicho estranho. Lobo. Errante. No meio de uma confusão que não é na Cidade de Deus, mas é quase entre Mané Galinha e Zé Piqueno. No meio de todo o tiroteio é que a gente fica. Ser ator. Ser ator é ser soldado. É ir pra guerra da vida com a flor do espirito dentro da boca como quem segura seu próprio alimento. Como caçador. É pensar a longo prazo mas sem ter a certeza de que o curto vai sequer existir ou chegar. É abrir mão de estar fazendo sua arte, seja na rua, no palco ou em qualquer lugar para descolar um dinheirinho, alguns migalhos aqui e ali para deixar o coração pulsar. Tudo bem. Tudo bem nada. Não está nada bem. Mas eu continuo, quero apanhar mais, trincar os dentes de dor, sangrar, morrer. Morrer em cena. Um ataque fulminante assim que tenha terminado a peça para partir com a sensação de levar o teatro junto comigo para todo lugar. Ir do céu ao inferno e brincar de viver com Deus e o Diabo mesmo que não seja na terra do sol. Pode ser aqui mesmo, na rua da minha casa, na sua, no quintal, ou quem sabe num grande palco pisado por grandes almas. Vai à luta filho, assim minha mãe dizia. Sempre. E ser ator eu nunca vou descobrir. Isso é, pra mim até o momento, impossível. O que importa pra mim é despertar risos e lágrimas dentro do coração das pessoas. Mesmo que isso me doa ou que me custe um preço muito alto. Mesmo que muitas delas não estejam nem aí e até debochem. Mesmo que eu leve centenas de rasteiras. Viverei eternamente sendo dos outros e da vida. Sou naturalmente dos que me possuem. Morrerei fazendo teatro. E quando minha alma partir velem meu corpo em qualquer lugar do Teatro mais lindo do mundo, o Teatro José de Alencar.