Eu me organizo pra me desorganizar.
domingo, 6 de maio de 2012
Lá
Lá estava eu. Eu estava lá. Estava. Lá. Enrosquei, aticei, dobrei, encurvei, virei, olhei, enxerguei. Enxerguei aquilo que já via e debrucei-me sem diletantismo. A taça derramava espumas de vento. O brinde sempre me foi algo distante, porém ele sempre apareceu e, mesmo que efêmero, ascendeu marcas e fagulhou chamas. Estratificou espessuras de espuma. De bruma, de brancura, de brandura. Eu sempre estive lá. Lá, é um lugar doce, é quase o meu lar, doce lar. Lá é um lar e o lar é lá. Ladainhas a parte, o lá é um lugar que me deixa bem e tranquilo, suspirando feito corpo trêmulo após uma transa. Ofegando. Eu gosto de lá, de estar lá. Vamos pra lá? Um cantinho pequeno que se apresenta gigante e que a gente pode confiar. Pode-se projetar. Cada um tem um la(r) dentro de si. Basta nutrir-se do que é inteiro, mesmo que seja metade.
terça-feira, 1 de maio de 2012
Gandaia
Foi no acorde do acordar que soou a primeira nota do dia. Como música. Como melodia. Uma leve sensação de ser criança. Correndo por dentro feito algo que voa, correndo que nem o bando da molecada de quando era pequeno. Sim, é preciso correr, gandaiar. Gandaiar feito menino e correr tão velozmente até os pés baterem na bunda. Numa carreira distante, trepidante. Chegar na praia foi alegria só. De vez em quando fitava o olhar para o mar mergulhando em mim mesmo e em cortejos de imagens que sondam meu passado-presente-futuro. O negócio é que quando a gente se enrosca nas ondas, a gente fica tonto feito peão jogado no terreiro. Fica querendo voar sem ter asa. E beber na sede que sacia a irrefutável alegria do cotidiano. Reinventando o cotidiano e cobrindo-lhe de novas conjecturas, novos acontecimentos. Daí, é fácil olhar pra o céu e ver as nuvens garimpadas em estufas que se desdobram quase a um palmo da mão. Como algodão doce que gruda nas mãos. Correr para os braços do mar. Do mar, de tudo que é límpido. Gandaiar em risos, passear em campos de papoulas. Passear sobre cada segundo do que a gente chama de... felicidade. E gandaiar, pra que a vida dê lugar ao novo e encontre novos sentidos.
sexta-feira, 20 de abril de 2012
(Des)água
Sentar-se e ouvir a língua de uma canção. Deixar-se sedimentar por ela e correr com ela solto no vento. Que nem água quando cai da cachoeira e desagua pelo leito do riacho. De olhos fechados projeto imagens, crio laços memoriais e me perduro feito tempo em pó. Num silêncio trancado às sete chaves, grito dentro dessa morada que a gente inventa: o eu. A música já acabou, mas que nem água ela ainda continua caminhando pela minha pele e provocando palavras como gotas d'água. Desaguo e desemboco, sempre que possível, numa doce canção.
segunda-feira, 9 de abril de 2012
Grão.
Grãos de areia se perdem na água turva. Constroem castelos, arquitetam tempestades de ventos. E eu danço como pequenino na imensidão, esboço movimentos com asas de bem-te-vi e cores de beija-flor. Beijo o sussurro da boca envaidecida de mistérios e ergo sonhos em horizontes distantes. Na areia. No mar. Neste chão que habita em cada um de nós. Com apenas um grão se engradece a alegria. Com uma tempestade dele, faz-se o castelo da vida.
quarta-feira, 4 de abril de 2012
Palavreado.
Ficar longe das palavras é como ficar longe de si mesmo. As palavras são como fortes flechas, potentes armas que nos afetam imediatamente. Sabemos que elas nos acertam. Mas afinal o que é uma palavra? - A palavra? A palavra... é o humano. O humano é palavra. Que é corpo. Que é corpo-palavra. Corpo-palavra-pensamento. Corpo-palavra-pensamento-sensação. É tudo... a palavra é tudo. Quase tudo, porque se fosse tudo não era palavra, pois há ainda todo o espaço infinito que está por detrás dela. Se ela for tudo, ela não vai alcançar o hiato do silêncio.
terça-feira, 20 de março de 2012
Tragédia grega
Adentrar no universo da civilização grega e vasculhar sua história é sempre um fascínio. É penetrar no imaginário de todo um modo de vida regido por suas características imanentes a ele mesmo. Características essas que inundaram toda a formação do pensamento ocidental. Entretanto, não cabe aqui uma análise destas características, mas sim, a partir de um ponto de vista – o do encontro do teatro com a filosofia – traçar um olhar sobre a tragédia grega.
Para tanto, vamos nos remontar as origens do teatro. O que é um pouco delicado, na medida em que, estamos enveredando por milhares de anos. Por volta do século V a.c. Ressalto aqui, que apesar de existirem indícios de que o teatro surgiu no Egito, tomarei como ponto de partida o começo do teatro na Grécia.
O teatro nasce do ritual e do mito. É daí que o teatro desabrocha como flor que se metaforiza no espírito de cada um de nós, revelando a tentativa humana de mergulhar, pela imaginação, nos mais remotos esconderijos que permeiam o mistério da existência. Captar o sentido do mito é compreender que ele designa uma história verdadeira, que sua raiz é extremamente preciosa, sagrada e significativa. Uma história verdadeira de criação do homem, do mundo, de multiplicidades de eventos que se perderam numa memória cronológica, mas se preservam numa memória mítica e em arquétipos diversos.
A consciência mítica desvela que tudo deve ter tido uma origem. Se ela ficou sombreada pelo tempo não quer dizer que a imaginação não possa operar sobre isso. A temporalidade dos acontecimentos pouco importa. Interessa o fato de que eles se repetem: por isso são perenes. O mito nada mais é do que isso, essa história perene dos acontecimentos que são eternos porque se repetem. Assim, o homem vai participando de uma eternidade mítica, pois para o homem é preciso buscar algo que está fora do universo racional, porque este não consegue dar conta de todos os dados da realidade.
E entre os gregos, a tragédia proveria de toda essa universalidade que transcende a figura humana na dupla via entre o sonho apolíneo e a embriaguez dionisíaca porque o teatro é a arte do encontro entre Apolo (imagem, luz, sonho) e Dionísio (música, embriaguez orgia). No culto ao deus Dionísio, na festa das colheitas das uvas regadas a vinho e a cantos ditirambos, a embriaguez se instalava e permitia o distanciamento do real, abrindo portas para outras dimensões de realidade e revelando os devires possíveis da diferença.
Sobre a questão do ritual, Patrice Pavis, em seu Dicionário de Teatro nos traz:
Concorda-se em colocar, na origem do teatro, uma cerimônia religiosa que reúne um grupo humano celebrando um rito agrário ou de fertilidade, inventando roteiros nos quais um deus morreria para melhor reviver, um prisioneiro é condenado à morte, uma procissão, uma orgia ou um carnaval eram organizados. Entre os gregos, a tragédia proveria do culto dionisíaco e do ditirambo. Todos esses rituais: trajes dos oficiantes e vítimas humanas ou animais; a escolha de objetos simbólicos: o machado e a espada que serviram para consumar os assassinatos, estão julgados a seguir e, depois, “eliminados”; simbolização de um espaço sagrado e de um tempo cósmico e mítico, de outra natureza, pois que os dos fiéis. (PAVIS, p. 345, 1999).
Aristóteles, grande admirador da tragédia grega e definidor da mimese não como um valor artístico – sentido a que dava Platão a sua ideia de mimese – mas como um valor de verdade, estabelece e analisa na obra A poética, o modo de ser e de proceder da tragédia.
Esta obra ultrapassa os limites teatrais e se interessa por muitos outros gêneros além do teatro resultando numa estética secular verossímil que começa a declinar como modelo a partir do século XVIII e principalmente no século XX, tornando-se menos normativa e rejeitada, por exemplo, até o século XV pela Europa medieval, que mais tarde a concebe como ferramenta de estudos presentes nas escolas de arte junto à época do Renascimento.
Segundo Aristóteles, as artes poéticas provocariam a catharsis, isto é, a purgação das emoções dos espectadores. Isso ocorre porque o ato do herói que põe em movimento o processo que o conduzirá à perda (hamartia); o orgulho e teimosia do herói que persevera apesar das advertências e recusa esquivar-se (hybris); e, o sofrimento odo herói que a tragédia comunica ao público (pathos). Pelo sofrimento o herói constrói seu comportamento íntimo e sua atitude (praxis), onde se origina e sobre a qual se organiza a ação dramática. E toda a questão dos heróis relaciona-se sempre ao rompimento de uma ordem divina.
Do mito divino com o mito heroico, tem-se uma lógica: os heróis presentes nas tragédias – como Édipo, por exemplo – eram a ligação entre o mundo divino e o mundo humano, simbolizando a existência humana naquilo que ela tem de mais profundo. Segundo a Prof.ª Dra. Sara Lopes, em artigo denominado Mito e teatro grego, “Colocar os heróis no palco, frente aos deuses e o destino, exaltava os ânimos e convocava os cidadãos a uma nova maneira de pensar e de agir”.
Assim, os cantos ditirambos que se realizavam em coros – narrando aspectos felizes ou dolorosos da vida de Dionísio, acabou se definindo como trágico e dele se originou a tragédia: uma representação viva que narra os fatos acontecidos no plano mítico. Esse coro cantava em uníssono, mas logo depois foi se desmembrando em perguntas e respostas, mesmo sem caráter dramático. A figura do corifeu – uma espécie de condutor do coro – coordenava esses diálogos que foram surgindo. Em algum momento uma voz se distinguiu do canto coletivo, tornando-se uma unidade autônoma e recebendo as respostas do coro: surgia o hypokrites, o ator protagonista, simbolizado por Téspis. Representando, o ator provocava sentimentos no coro popular que, então, transformava-se em platéia. Todos lhe respondiam, concordando ou discordando, cantando com o coro.
Aos poucos foi aumentando o número de atores, fixando o número de três atores no centro da representação. A tragédia começa a declinar quando Eurípedes suprime a música do teatro. Pode-se dizer que a partir de então se formaliza o drama.
Aristóteles, assim define a tragédia:
A tragédia é a representação de uma ação elevada, de alguma extensão e completa, em linguagem adornada, distribuídos os adornos por todas as partes, com atores atuando e não narrando; e que, despertando a piedade e temor, tem por resultado a catarse dessas emoções. (ARISTÓTELES, p. 43, 2000).
Em relação a essa linguagem adornada, ela diz respeito ao ritmo à harmonia e ao canto. Por fim, ainda segundo ele, são seis os elementos que constituem, necessariamente, a tragédia: a fábula, os caracteres, as falas, as ideias, o espetáculo e o canto.
Ao mesmo tempo, sob um outro aspecto da origem da tragédia, temos Nietzsche, que vai lançar mão do Nascimento da tragédia, escrito no final do século XIX, para tentar solucionar o mistério do surgimento e do súbito desaparecimento da tragédia grega. Através da música formula noções que celebrizam a dualidade dos princípios artísticos do apolíneo e do dionisíaco, já explanados brevemente anteriormente.
Segundo o filósofo alemão, o cerne da tragédia grega é a união entre o mito do herói e a esfera musical dionisíaca, representada esta primitivamente pelo coro de sátiros, o cortejo que em cantos e danças evoluía em adoração ao deus Dionísio. Deste modo, o herói trágico está posto sob a influência do mundo dionisíaco e seria levado a experimentar as mais elevadas e mais fortes emoções passíveis ao humano. Nietzsche enfatiza a importância do coro no nascimento da tragédia e faz-se necessário elucidar isto com suas palavras: “Aquelas partes corais com que a tragédia está entrançada são, em certa medida, o seio materno de todo assim chamado diálogo, quer dizer, do mundo cênico inteiro, do verdadeiro drama”. Portanto é o coro que estimula o desenrolar da narrativa do herói.
De passagem, Nietzsche tece um pensamento que une de modo condensado aspectos da mitologia grega e da arte jogando com os deuses - enquanto formas de poder e divindades - viajando entre os estados de inconsciência do sonho e da embriaguez fazendo uma crítica a Sócrates como responsável pela decadência da tragédia grega, pois ele fez os gregos desviarem a atenção da tragédia para o otimismo da sua filosofia.
As tragédias gregas atingiram seu apogeu no final do século V a.c, tendo seu momento mais importante de representação nas grandes dionisíacas (Festival em honra a Dionísio). É tida por muitos como a obra-prima da Antiguidade, mas na atual cultura ocidental de um modo geral, perdeu espaço para novas formas de representação e novas (re)articulações de orientações culturais diversas em novas criações que se processam nas relações entre diferentes. Ou entre semelhantes. Tanto internamente nas sociedades, como na inter-relação entre elas.
Por outro lado, constituem uma alçada fundamental para entender a origem do teatro e sua relação com a mitologia grega, com o rito e com essa capacidade mais aguçada da Antiguidade e das primeiras civilizações em enxergar o mundo de um outro modo, de um jeito distinto do homem moderno. Numa sociedade grega cheia de paradoxos e presa ao apreço do belo e da eloquência: Duas características que percorrem até os dias atuais – do ponto de vista filosófico – as artes poéticas.
Guilherme Bruno.
Foram consultados os seguintes livros: A poética (Aristoteles), o nascimento da tragédia (Nietzsche), os filósofos e a arte (vários autores); apostila de história e teoria do teatro do IFCE - tradução de Marcelo Costa; Dicionário de Teatro do Patrice Pavis; Mito e realidade (Mircea Eliade); O mito e o teatro grego (Sara Lopes).
Para tanto, vamos nos remontar as origens do teatro. O que é um pouco delicado, na medida em que, estamos enveredando por milhares de anos. Por volta do século V a.c. Ressalto aqui, que apesar de existirem indícios de que o teatro surgiu no Egito, tomarei como ponto de partida o começo do teatro na Grécia.
O teatro nasce do ritual e do mito. É daí que o teatro desabrocha como flor que se metaforiza no espírito de cada um de nós, revelando a tentativa humana de mergulhar, pela imaginação, nos mais remotos esconderijos que permeiam o mistério da existência. Captar o sentido do mito é compreender que ele designa uma história verdadeira, que sua raiz é extremamente preciosa, sagrada e significativa. Uma história verdadeira de criação do homem, do mundo, de multiplicidades de eventos que se perderam numa memória cronológica, mas se preservam numa memória mítica e em arquétipos diversos.
A consciência mítica desvela que tudo deve ter tido uma origem. Se ela ficou sombreada pelo tempo não quer dizer que a imaginação não possa operar sobre isso. A temporalidade dos acontecimentos pouco importa. Interessa o fato de que eles se repetem: por isso são perenes. O mito nada mais é do que isso, essa história perene dos acontecimentos que são eternos porque se repetem. Assim, o homem vai participando de uma eternidade mítica, pois para o homem é preciso buscar algo que está fora do universo racional, porque este não consegue dar conta de todos os dados da realidade.
E entre os gregos, a tragédia proveria de toda essa universalidade que transcende a figura humana na dupla via entre o sonho apolíneo e a embriaguez dionisíaca porque o teatro é a arte do encontro entre Apolo (imagem, luz, sonho) e Dionísio (música, embriaguez orgia). No culto ao deus Dionísio, na festa das colheitas das uvas regadas a vinho e a cantos ditirambos, a embriaguez se instalava e permitia o distanciamento do real, abrindo portas para outras dimensões de realidade e revelando os devires possíveis da diferença.
Sobre a questão do ritual, Patrice Pavis, em seu Dicionário de Teatro nos traz:
Concorda-se em colocar, na origem do teatro, uma cerimônia religiosa que reúne um grupo humano celebrando um rito agrário ou de fertilidade, inventando roteiros nos quais um deus morreria para melhor reviver, um prisioneiro é condenado à morte, uma procissão, uma orgia ou um carnaval eram organizados. Entre os gregos, a tragédia proveria do culto dionisíaco e do ditirambo. Todos esses rituais: trajes dos oficiantes e vítimas humanas ou animais; a escolha de objetos simbólicos: o machado e a espada que serviram para consumar os assassinatos, estão julgados a seguir e, depois, “eliminados”; simbolização de um espaço sagrado e de um tempo cósmico e mítico, de outra natureza, pois que os dos fiéis. (PAVIS, p. 345, 1999).
Aristóteles, grande admirador da tragédia grega e definidor da mimese não como um valor artístico – sentido a que dava Platão a sua ideia de mimese – mas como um valor de verdade, estabelece e analisa na obra A poética, o modo de ser e de proceder da tragédia.
Esta obra ultrapassa os limites teatrais e se interessa por muitos outros gêneros além do teatro resultando numa estética secular verossímil que começa a declinar como modelo a partir do século XVIII e principalmente no século XX, tornando-se menos normativa e rejeitada, por exemplo, até o século XV pela Europa medieval, que mais tarde a concebe como ferramenta de estudos presentes nas escolas de arte junto à época do Renascimento.
Segundo Aristóteles, as artes poéticas provocariam a catharsis, isto é, a purgação das emoções dos espectadores. Isso ocorre porque o ato do herói que põe em movimento o processo que o conduzirá à perda (hamartia); o orgulho e teimosia do herói que persevera apesar das advertências e recusa esquivar-se (hybris); e, o sofrimento odo herói que a tragédia comunica ao público (pathos). Pelo sofrimento o herói constrói seu comportamento íntimo e sua atitude (praxis), onde se origina e sobre a qual se organiza a ação dramática. E toda a questão dos heróis relaciona-se sempre ao rompimento de uma ordem divina.
Do mito divino com o mito heroico, tem-se uma lógica: os heróis presentes nas tragédias – como Édipo, por exemplo – eram a ligação entre o mundo divino e o mundo humano, simbolizando a existência humana naquilo que ela tem de mais profundo. Segundo a Prof.ª Dra. Sara Lopes, em artigo denominado Mito e teatro grego, “Colocar os heróis no palco, frente aos deuses e o destino, exaltava os ânimos e convocava os cidadãos a uma nova maneira de pensar e de agir”.
Assim, os cantos ditirambos que se realizavam em coros – narrando aspectos felizes ou dolorosos da vida de Dionísio, acabou se definindo como trágico e dele se originou a tragédia: uma representação viva que narra os fatos acontecidos no plano mítico. Esse coro cantava em uníssono, mas logo depois foi se desmembrando em perguntas e respostas, mesmo sem caráter dramático. A figura do corifeu – uma espécie de condutor do coro – coordenava esses diálogos que foram surgindo. Em algum momento uma voz se distinguiu do canto coletivo, tornando-se uma unidade autônoma e recebendo as respostas do coro: surgia o hypokrites, o ator protagonista, simbolizado por Téspis. Representando, o ator provocava sentimentos no coro popular que, então, transformava-se em platéia. Todos lhe respondiam, concordando ou discordando, cantando com o coro.
Aos poucos foi aumentando o número de atores, fixando o número de três atores no centro da representação. A tragédia começa a declinar quando Eurípedes suprime a música do teatro. Pode-se dizer que a partir de então se formaliza o drama.
Aristóteles, assim define a tragédia:
A tragédia é a representação de uma ação elevada, de alguma extensão e completa, em linguagem adornada, distribuídos os adornos por todas as partes, com atores atuando e não narrando; e que, despertando a piedade e temor, tem por resultado a catarse dessas emoções. (ARISTÓTELES, p. 43, 2000).
Em relação a essa linguagem adornada, ela diz respeito ao ritmo à harmonia e ao canto. Por fim, ainda segundo ele, são seis os elementos que constituem, necessariamente, a tragédia: a fábula, os caracteres, as falas, as ideias, o espetáculo e o canto.
Ao mesmo tempo, sob um outro aspecto da origem da tragédia, temos Nietzsche, que vai lançar mão do Nascimento da tragédia, escrito no final do século XIX, para tentar solucionar o mistério do surgimento e do súbito desaparecimento da tragédia grega. Através da música formula noções que celebrizam a dualidade dos princípios artísticos do apolíneo e do dionisíaco, já explanados brevemente anteriormente.
Segundo o filósofo alemão, o cerne da tragédia grega é a união entre o mito do herói e a esfera musical dionisíaca, representada esta primitivamente pelo coro de sátiros, o cortejo que em cantos e danças evoluía em adoração ao deus Dionísio. Deste modo, o herói trágico está posto sob a influência do mundo dionisíaco e seria levado a experimentar as mais elevadas e mais fortes emoções passíveis ao humano. Nietzsche enfatiza a importância do coro no nascimento da tragédia e faz-se necessário elucidar isto com suas palavras: “Aquelas partes corais com que a tragédia está entrançada são, em certa medida, o seio materno de todo assim chamado diálogo, quer dizer, do mundo cênico inteiro, do verdadeiro drama”. Portanto é o coro que estimula o desenrolar da narrativa do herói.
De passagem, Nietzsche tece um pensamento que une de modo condensado aspectos da mitologia grega e da arte jogando com os deuses - enquanto formas de poder e divindades - viajando entre os estados de inconsciência do sonho e da embriaguez fazendo uma crítica a Sócrates como responsável pela decadência da tragédia grega, pois ele fez os gregos desviarem a atenção da tragédia para o otimismo da sua filosofia.
As tragédias gregas atingiram seu apogeu no final do século V a.c, tendo seu momento mais importante de representação nas grandes dionisíacas (Festival em honra a Dionísio). É tida por muitos como a obra-prima da Antiguidade, mas na atual cultura ocidental de um modo geral, perdeu espaço para novas formas de representação e novas (re)articulações de orientações culturais diversas em novas criações que se processam nas relações entre diferentes. Ou entre semelhantes. Tanto internamente nas sociedades, como na inter-relação entre elas.
Por outro lado, constituem uma alçada fundamental para entender a origem do teatro e sua relação com a mitologia grega, com o rito e com essa capacidade mais aguçada da Antiguidade e das primeiras civilizações em enxergar o mundo de um outro modo, de um jeito distinto do homem moderno. Numa sociedade grega cheia de paradoxos e presa ao apreço do belo e da eloquência: Duas características que percorrem até os dias atuais – do ponto de vista filosófico – as artes poéticas.
Guilherme Bruno.
Foram consultados os seguintes livros: A poética (Aristoteles), o nascimento da tragédia (Nietzsche), os filósofos e a arte (vários autores); apostila de história e teoria do teatro do IFCE - tradução de Marcelo Costa; Dicionário de Teatro do Patrice Pavis; Mito e realidade (Mircea Eliade); O mito e o teatro grego (Sara Lopes).
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
Da cibernética à lógica do capital: O homem-máquina e a dominação sem sujeito - pontos de encontro entre o simulacro e a realidade.
Compreender Matrix é poder dialogar com a dimensão da lógica do capital, com a forma-dinheiro e com o que move o enigma da contradição em movimento da natureza genealógica do capital. O mundo-máquina que impõe, exclui, inclui e seleciona. Que a partir de dispositivos realimenta a informação no sistema e confronta suas informações com as informações do própria sistema; compreendendo o sistema como a "associação combinatória de elementos diferentes" (MORIN). o confronto dessas informações gera pane e tudo entra em colapso. As máquinas adquirem dinâmicas próprias de existência real-virtual e o homem se torna mero fornecedor de energia. Assim, Neo é levado a conhecer a Matrix e a fazer escolhas que o colocam na ordem de um ser moral. Que o oferecem uma nova zona de experimentação do real, da verdade. Quem oferece? A classe dominante e os interesses que dela derivam? Ou a própria noção interna de que é o desejo que move a escolha? Seres-máquinas. E dizem: Siga o coelho branco. O coelho é o símbolo da longevidade, do alcance da liberdade. Liberdade de quem? Então Neo (O novo, o escolhido, o super-homem bem ao modo de Nietzsche) recai sobre Morpheus (o Deus grego dos sonhos que se apresenta aos adormecidos durante o sono) através de Trinity (do inglês, Trindade. O mistério e a doutrina da trindade cristã: Pai, filho e espírito santo). Compreender a matriz da matrix é poder dialogar com um pensamento sobre a verdade, a realidade, os fluxos, os rizomas, os simulacros, a destruição, as máquinas, a dominação sem sujeito. Em suma: Viajar entre zonas de ficção e zonas de apreensão do real - do real enquanto acontecimento - e pensar que não se pode sonhar acordado na "imensa coleção de mercadorias" (MARX).
Guilherme Bruno.
Guilherme Bruno.
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